Pequena alegria do milho

Enquanto escrevo é véspera de São João. Tão estranho “festa junina” na Pandemia. Novo normal? Essa palavra não tem caimento, não tem fluidez. Soa assim como uma esquisitice, uma categoria que a gente nem sabe mesmo o que é. Uma interrogação. Quando escuto essa expressão fico meio assim como quem tá ouvindo um bordão que cola (ou como dizemos hoje, viraliza) vindo de alguma telenovela. É o “novo” real?

Bem que eu tentei encher um pouco mais a casa de espírito junino, querendo costurar toalha de mesa xadrez, fazer bandeirolas com recortes de jornais e revistas, pesquisando uma playlist com todas músicas mais tradicionais do forró. O máximo que cheguei, foi colocar a trilha sonora do filme “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain”. O dia começou com a notícia da morte da sogra de minha prima. Em junho eu coleciono saudades…

Memória para que te quero. Ano passado estava em Patos. Pela crise econômica não houve festança midiática. Foi melhor. As ruas voltaram a ser quase como eram antigamente: as famílias enfeitando as ruas e calçadas, fazendo comida e compartilhando entre si. Celebrando de modo comunitário. Foi lindo ver novamente sob o céu bem azul o colorido das bandeirolas balançando fortemente ao vento. E a marcação das quadrilhas juninas pintadas de tinta branca no chão das ruas. Esses signos sim me alcançaram e me levaram de volta, de mãos dadas com minha avó, Antônia, assídua frequentadora da Quadrinha da Rua Dezoito do Forte. Tanto barulho, sorriso, aperto de gente, humor na encenação do casamento matuto.

Estou de volta à 2020 num mundo submerso em lives. Os posts pulam que nem pipoca pelos aplicativos, pelos grupos, pelas mídias digitais, pelas TVs. Eu fico doidinha. Penso como organizar o dia, as atividades remotas, a casa, as interações, a cadela, acalmar a mim mesma diante da neurastenia causada por tanta informação. Como me acalmar diante de tudo isso? E justamente vendo e participando de lives, que me fazem por um lado o bem da aproximação de pessoas queridas e de temas. E que por outro lado podem muito me fragmentar… E fico imaginando, será que o sociólogo Zygmunt Bauman vai sair com um livro novo sobre Lives? No aguardo…

Penso que vou me poupar das lives de festas juninas, mesmo que tenha visto a live de boi-bumbá da Maioba essa semana para matar as saudades de cidade de São Luís e de Silvânia Carvalho. Eu estou nesses dias mais para Luisa Sobral cantando Japanese Rose.

Achando o São João da Pandemia mais silencioso, e não posso deixar de confessar a alegria pela pausa da fumaceira das fogueiras na cidade, e da diminuição de fogos de artifício que atazanam os animais. Apesar de amar ver aqueles canhões de fogos de artifício iluminando céus imensamente. Saudade da anunciação junina em Campina Grande, o coração palpitando ao escutar “Olha pro céu meu amor, veja como ele está lindo…”

Nesse Solstício de Inverno procurei uma via de lidar com o isolamento junino, e tentar conviver com essa urgência do São João em casa, imagina!!!! São João sempre foi de casa pra fora. Nas calçadas, de calçada em calçada para dizer a verdade, de casa em casa, compartilhando as comidas, as brincadeiras (adivinhações), os fogos de artifício (chuvinhas, cobrinhas, traques…). A estratégia foi pensar no que poderia ser partilhado, já que essa sempre foi uma prática no sertão. Partilhar do milho, da canjica, do bolo, da pamonha, do arroz-doce, do mungunzá, do pé-de-moleque. Celebrar a vida!

Poder partilhar mesmo me sentido deslocada desse desenho repentino que esse mundo está delineando. Então foquei no milho: o símbolo, o sustento, a cultura alimentar, a fartura da colheita. Receber as espigas e poder compartilhar. Fui reencontrar a alegria de ver as lagartas na espiga e passear pela infância outrora perdida.

Decidi andar pela imaginação para atravessar o São João em casa e tropecei em todas as minhas leseirices, que partilhadas com as amigas do grupo Coisa de Mulher, me fizeram rir de mim mesma, deixando florescer a suavidade necessária, tão vital todos os dias. Pensei na glória que é ter as sementes nativas da variedade de milho, não transgênicas, resistindo e muito presente. Pensei em todas as comidas de milho que provei, e das receitas que aprendi ao longo do tempo. Decidi arriscar a canjica e o pastel de choclos, pensando ainda nos deliciosos tamales mexicanos…

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *