Imagine o Natal

O Natal lembra a casa de mainha, que já foi também minha. Embora as pessoas falem do “Menino Jesus”, não me lembro, ao menos da imagem de um Cristo criança. Na minha imaginação Jesus Cristo já nasceu grande. Pode parecer estranho mas o Messias pra mim soa mais como um pensar, um existir, uma ética, e não consigo associar a nada que se traduza em imagem ou objeto. É mais como uma experiência de transformação de vida, uma cosmovisão.

Embora tudo se modifique no espaço em virtude do Nascimento de Jesus, onde novas paisagens são criadas, eu sigo associado essa data as vivências em família, ou o que foi um dia a minha família. Levei a única pisa de que eu me lembre na vida por causa de uma árvore de Natal. Deixei minha irmã, ainda bebê, segurar uma das bolas em que via seu rosto e deixar tudo ruir, quebrou tudo, não sobrou nem estrelinha, nem Papai Noel. Lá em casa, se um dia chegou Papai Noel atendia pelo nome de Raminho(que era meu pai) ou pelo nome de meus irmãos mais velhos, a gente não era dado às ilusões desse tipo. Mas entendia que o presente vinha se o ano fosse bom e nem exigiam de nós tão bom comportamento. Não se fazia chantagem para dar e receber algo.

Ninguém era doido de exigir de mainha uma Ceia de Natal. Como não gostava de cozinhar, a gente se virava com os dons de minha irmã mais velha. Ela fazia com que nosso Natal, por mais simples que fosse, representasse A Festa de Babette(Dir. Gabriel Axel, 1987).

E eu sempre ficava muito mexida com as músicas que tocavam nas rádios da cidade. Se por um lado eu achava que as músicas eram penosas (tristinhas), elas tinham uma suavidade e não sei por quais razões me faziam crer que em pouco tempo as chuvas voltariam a cair sob solo sertanejo. Meu calendário interior se movia como as nuvens no céu.

Eu gostava muito mesmo de escutar Imagine, e tudo era muito tocante em cada sonoridade, mesmo que naquela época não entendesse um triz sequer do que significava. Ainda hoje meu coração se emociona muito. No tempo de criança minha mãe permitiu que meu irmão Pedro fizesse um desenho imenso de John e Yoko e uma montanha no quarto dos meninos. Toda vez que entrava naquele quarto era lindo ver, como se fosse um desenho em naquim gigante, aquele pé direito do quarto bem grande, e aquela cena dos dois numa imensidão. Representava para mim estar noutro mundo, eu entrava naquela paisagem. Aquela imagem nunca esqueci, me marcou e sempre que encontro meu irmão a gente lembra daquele mundo particular.

Outra música que amava escutar era uma versão do Cantor Cristão que os corais das igrejas adoravam cantar, ‘Cantai que o Salvador chegou’, porque era uma canção(gospel) muito animada, e bem executada. E claro me deixava bem longe da melodia triste de Noite Feliz, que só dava vontade de chorar. Os corais e as cantatas na igreja sempre me pareceram uma vivência especial desse período do ano.

E sempre tinha o lado tenso do Natal, a correria aparente para deixar tudo pronto, para todo mundo se arrumar e se abraçar, e estar junto, e até isso acontecer era muito aperreio dento de casa, movido pela necessidade de deixar tudo em ordem. Com o passar dos anos o Natal foi se transformando, como num filme borrado, cujas cenas vão lentamente se processando em fade out. Porque inevitavelmente as ausências vão se fazendo presentes.

Celebro o Natal sem tantos rituais, mas não tenho fobia, nem corro da data. Procuro entender o que permanece, o que faz sentido, o que vale a pena, o que precisa ficar ou ir embora. Observo minhas crenças para tentar entender onde a presença de Cristo(a quem a data se refere ou deveria se referir) se integra a minha própria existência. Eu busco os símbolos necessários e identitários, procuro fugir das filas dos shoppings e supermercados, do trânsito e de gente falsa que vem buscar abraço por protocolo.

Talvez essa data seja o momento em que estar integralmente no interior da casa seja muito singular. E sempre agradeço: a Deus pela Vida, agradeço as pessoas que amo presentes no cotidiano, penso em todos os natais, como no conto de Charles Dickens. Gosto de olhar para as estrelas e contemplar também os pisca-piscas. E abraçar, abraçar, abraçar…

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