Cinemas de rua

Recentemente tive a oportunidade de fazer um passeio inesquecível conhecendo um pouco da cartografia dos cinemas de rua da cidade de João Pessoa. O convite foi feito pelo jornalista e crítico de cinema, André Dib, também estiveram presentes estudantes da pós-graduação em Comunicação e Culturas Midiáticas, o também crítico de cinema, Renato Félix e Danni, amiga do Dib, vinda da cidade de Caruaru.

Nosso ponto de partida foi o Ponto de Cem Réis. Esse trabalho de arquelogia do circuito exibidor de cinema na João Pessoa do Século XX, começou a mais de um ano. Quando cheguei à cidade no início dos anos 1990, ainda tive a oportunidade de frequentar o Cine Municipal, no Centro da cidade. Vinda de uma cidade de interior, e acostumada a ir ao Cine São Francisco, foi impressionante conhecer uma sala que parecia ser “coisa de cinema”, por sua grandiosidade.

Através do passeio pude conhecer um pouco mais da trajetória da história destes circuitos de exibição na Paraíba. Como nos explicou o jornalista, a história do cinema não se restringe à memória dos filmes, da estética do cinema e suas escolas, mas também da experiência vivida do circuito exibidor, seja por aspectos da cultura material ou imaterial. Seja pela dimensão arquitetônica e econômica, ou por também entendermos como a história desses lugares fala do lugar em que vivemos, da sociabilidade de um povo, suas memórias e imaginário.

Ele nos presenteou com um mapa precioso, feito de forma muito didática, usando um aplicativo. Uniu tecnologia em favor da memória. Por meio dele tivemos acesso aos dados sobre os cinemas Filipéia, Astória, Municipal, Rio Branco/Rex, São Pedro, Cine Theatro Brasil, Cine Santo Antônio, Bela Vista, São José, Glória, Tambaú, São Luiz, Metrópole, Cine Torre, Cinema Jaguaribe, Cine Teatro Plaza, Banguê, Tambaú. Fazem parte ainda do circuito exibidor o Theatro Santa Roza, Associação Paraibana de Imprensa e a Biblioteca Pública Municipal, lugar em que foram realizadas as primeiras exibições públicas, em 1897, na Festa das Neves.

Fiquei muito emocionada durante o percurso, por amar o cinema e considerar aquele momento um presente, por também ter redescoberto esses lugares históricos e cheios de afeto, por ter reencontrado o Cine Municipal e tudo o que ainda resta dele, e lá conhecer seu Ari e seu Nivaldo, que trabalharam lá ao longo de seu funcionamento, e que na ocasião compartilharam de suas memórias e histórias de vida. É sagrado você poder tocar a imaginação das pessoas, quando elas por generosidade ofertam o que estava guardado em seu íntimo, vindo de lugares profundos da alma. Assim a gente foi percorrendo esses lugares da cidade, aparentemente invisíveis, mas cheios de espírito e vigor, sobrevivendo ao sistema predatório que sufoca as memórias e insiste em transformar o espaço urbano em ruínas, produzindo infertilidade e feiura.

Durante o trajeto fomos compartilhando ainda de nossas histórias com as salas de exibição, o que foi bem especial, considerando o fato de que éramos de vários lugares: Recife, Patos, Campina Grande, Caruaru. Lembramos ainda de pessoas que ao longo de suas vidas buscaram narrar a história dos cinemas por aqui, a exemplo do Willis Leal, do João Batista B. de Brito, Ivan Cineminha, de Jomar Muniz de Brito, o historiador Luciano Mendonça, e de tantas pessoas conhecidas e anônimas que certamente trazem muito presentes histórias destes lugares, e que podem contribuir muito para ampliar esta cartografia.

Sonhamos muito com a reabertura destes lugares, senão todos, alguns, porque se em sua origem, nos bairros da cidade, o circuito exibidor representou uma experiência muito além do entretenimento, quem sabe a reabertura destes espaços possibilite um novo fôlego no espaço público que sufoca pela cultura do medo. Em Remígio temos a experiência bem sucedida de manutenção de exibição de rua com o Cine RT, coordenado por Regilson Cavalcanti, mecânico apaixonado por cinema, que foi empreendedor e por cima “pau e pedra, cobras e lagartos” tomou pra si a responsabilidade de proporcionar a sua comunidade uma política de inclusão cultural, e que lamentavelmente muitos gestores públicos e empresários ignoram.

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