Nina

Há doze anos que Nina me transformou num puf. Isso começou em 2008 quando chegou em nossa casa. Naquele período foi o alento para dois adultos escrevendo teses de doutorado, e para uma criança com apenas seis anos. Cabia na mão, e se pensar bem, cresceu muito pouco. De lá para cá ela me humanizou muito. São tantos os ensinamentos que não teria como listar aqui. Afinal é um convívio de quase treze anos, amando um cão, assim como diria a escritora portuguesa Maria Gabriela Llansol.

Pois bem, na primeira semana do ano descobrimos que ela agora tem um câncer. Minha estratégia de defesa é por vezes não pensar nisso. Noutros momentos é justamente o contrário, pensar mesmo sobre essa questão. O fato é que ao saber da notícia voltei ao ano de 2016, quando fui comunicada do câncer irreversível do meu pai. Não sei da irreversibilidade da situação da Nina. Atravessar uma fase terminal de câncer com alguém que se ama muito é uma jornada muito particular. Nos faz ter uma outra percepção de nós mesmos, da vida e morte. E do Tempo.

A convivência mais cotidiana e profunda com um animal, como também eu sei que sou, me aproximou mais da Criação de uma maneira não hierarquizada. Também não quis cair numa certa “maluquice” de colocar Nina no lugar filho/filha. Como acredito que os animais não nos percebem como proprietários, pai ou mãe. Talvez o mais próximo seja mesmo a construção de uma fraternidade entre espécies que habitam o mesmo Planeta e a experiência de buscar dialogar e aprender juntos(as). Eu venho aprendendo ao longo desses treze anos e a sensação é que sei muito pouco.

A pedagogia dos afetos, no entanto, é forte. E eu acabei tendo nela uma relação de mais cumplicidade e confiabilidade do que com certos “humanos” que fui me desvencilhando ano após ano. E refleti ao longo desses anos como nos bestializamos, quando perdemos a capacidade de amar e respeitar.

E Nina que me fala pelos olhos, me traduz no reflexo de seu olhar, encontrando o meu. E penso que nós duas sabemos o quanto esse momento é o mais intenso, cada dia ímpar. Aí eu me faço mais colo, mais cafuné, mimos, proteção. E a cada dia quero estar mais junto. Diante da realidade de não parar o tempo saudável de Nina o que nos resta é ser feliz agora. Todo dia. Aquela felicidade clandestina da qual fala a Clarice Lispector, que tão maravilhosamente nos narrou “A vida íntima de Laura”.

Já que ela segurou tantos momentos desafiadores meus, com tamanha dedicação, eu sigo pensando em segurar essa onda dela, da melhor maneira possível. E os modos de Nina são muito simples: adora passear, é louca pelo cheiro da maresia, continuará mantendo a devoção ao colo. Acabou que ao longo dos anos em que convivemos eu passei a ser o território de maior permanência dela. Nunca fui de ninguém, com exceção de Nina, porque acho que é assim que ela pensa sobre mim. Esse estágio de pertencimento livre ao instintivo e ao ser intuitivo vivemos nós, duas fêmeas, uma canceriana e outra leonina(mas para Nina pouco importa, às favas está com a Astrologia).

Das tantas coisas boas que faço com ela é viajar. Sertão, brejo, litoral, lá vamos nós, sempre mochileiras. 2020 não foi fácil para ela também, menos passeios, apenas uma viagem, e a adaptação à chegada da Husky nordestina, o adoecimento. E 2021? Vivendo e amando.

A questão é que o prognóstico da doença dela instaura em mim uma certa inquietude. E assim sigo apendendo sobre aceitação, sobre amar um cão(cadela, um gato, uma planta, seres vivos como eu). Fico pensando sobre o que seja necessário saber mais, ou simplesmente não saber, ser levada apenas pelos nossos dias em comum. E viver a beleza de cada instante mesmo.

Meus sentimentos mesmos são de profunda gratidão pelo convívio, dedicação, humildade, coragem. Nina é Pinscher, é como se fosse uma Amazona dos cachorrinhos. Linda e livre. E eu sou bastante conformada ainda com o fato dela ser mais inteligente que eu. E sobre essa questão não tenho a menor vaidade. Apenas amor.

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