Sobre mães, propaganda e pandemia

Há dias pensando na data clássica do Dia das Mães, por causa da enxurrada de propagandas, sobre a vida “gloriosa” das mães. Embora hoje os enunciados tentem ser um pouco diversos, ainda seguem sendo muito clichês. Mas é sobre o clichê mesmo que paira o potencial de fazer esse dia muito lucrativo. Acho o tema da maternidade bem complexo. Porque a despeito de toda experiência potente de gerar vida e o desdobramento que tem, o trabalho de reprodução social é uma experiência muito forte de exploração das mulheres. Mas é claro, nem toda mulher se sente explorada por ser mãe, apenas cansada, algumas esgotadas, deprimidas, porém felizes pela certeza de haver cumprido alguma “missão”. Não é a maternidade em si, é o que fazem dela. É no social mesmo que o papel da maternidade é o contraditório. Sobretudo nas periferias do mundo inteiro.

Na prática da pesquisa escuto muito as mulheres e nesse processo se vai compreendendo quanto o sujeito feminino é violado. A imposição da maternidade, o desamparo às mulheres mães, a manipulação do simbolismo em torno da maternidade são faces de um sistema eficiente de controle, exploração e subordinação de muitas mulheres. Parece pesado dizer isso. Todavia é ainda mais duro quando você observa e convive com as mulheres nas periferias urbanas e no mundo rural. Mulheres sozinhas tendo que lutar pela sobrevivência de seus filhos e filhas. Lidando com exclusão e preconceito, e cada vez mais com a fome. Abrindo suas geladeiras vazias para as câmeras de televisão, voltando à cata de comida nas xepas das feiras livres.

Há muitas maternidades nesse Brasil e a experiência da pandemia tem escancarado um problema já antigo no país. O alto índice de mortalidade materna. De acordo com dados publicados mais recentemente pelo Observatório Obstétrico Brasileiro Covid-19 (OOBR Covid 19), até abril, houve um aumento de 145,4% no número de mortes de gestantes e mães de recém-nascidos. É a falta de acesso mais ágil ao tratamento, e a antiga precariedade no acesso também às UTIs.

Não consigo imaginar o tamanho horror que é enfrentar a Covid-19 numa gestação, com complicações, e partos feitos às pressas para tentar salvar crianças, as mortes das mães e orfandade de muitos recém-nascidos. Conforme o Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe, SIVEP-Gripe, até 7 de abril de 2021, desdo o início da pandemia foram mais de 9 mil casos de internação com a ocorrência de 738 mortes. Esse número, infelizmente, dada a curva crescente de mortes por Covid deve também ter sido alterado para pior. Esse país precisa enfrentar a mortalidade materna, não apenas lamentar. E sim assegurar políticas públicas de planejamento familiar(que redunda quase sempre em falácia), assegurar às mulheres direitos sexuais e reprodutivos. Quem são as mães desse país? Sabemos pouco, e saberemos menos ainda sem a realização do Censo, que é tão vital para o planejamento e desenvolvimento social.

Nesse Dia das Mães nenhuma das propagandas me apetece. Até que são lindinhas e emocionantes as propagandas que prestam homenagens às mães, mulheres, boas consumidoras que movimentam muito a economia, entretanto não veem junto com impostos pagos no dia a dia os direitos sociais necessários para minimizar sua labuta e em alguns casos, transformar seu permanente estado de precariedade e pobreza.

Infelizmente, a maior parte das mães do Brasil precisam de um prato de comida, de uma cesta básica, de um trabalho com carteira assinada, de contraceptivos, ter o direito de decidir sobre seus próprios corpos podendo escolher sobre se quer ou não ser mãe, e se for essa a opção, exercer com segurança, qualidade de vida e cidadania sua maternidade.

Nesse que é o segundo Dia das Mães pandêmico fique na sua própria casa. Nesse momento proteger é expressão de um amor maior. Se puder manda para mãe um bilhete, um recado, uma música, uma refeição, fotos memoráveis, ou aquele presentinho irresistível. Mas faz o favor de nos demais dias do ano enxergar as mães e as maternidades como experiência vividas por mulheres, que também são sujeitos de direitos e não de obrigações.

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