Matemática da vida

No domingo em que comemorava Dia das Mães, recebendo carinho, lendo homenagens e por vezes conhecendo as mães de colegas e pessoas desconhecidas, também fiquei pensando em mainha. Mainha é um arquétipo sertanejo. Uma das primeiras palavras que a gente aprende de um vasto dicionário particular. Me encontro faz tempo no rol das pessoas que atravessaram a perda da mãe. A cada ano o hiato se torna maior. E eu fico vendo esse fio invisível da vida se alargando, ao mesmo tempo em que compreendendo que uma ponta do fio, representa o traçado da minha vida.

É um lindo mistério mesmo essa tal matemática da vida. Eu gosto demais dos grafismos da matemática, ainda que não os tenha compreendido direito. Mas sei, toda vez que olho para os céus, sobretudo em noites sem luz artificial, que os astros celestes de alguma foram tornam essa linguagem da vida e seu Infinito de uma maneira mais clara.

Fiquei por fim pensando se ao invés da ausência, mainha estivesse assim bem viva. Como estaria? No auge de seus 81 anos, cabelos prateados, nunca totalmente brancos, brilhosos. Não creio que teria diminuído de tamanho. E se isso tivesse acontecido certamente ainda seria bem mais alta que eu. Teria mantido o olhar de quem observa o mundo que a visão bem de dentro. Talvez quem sabe ainda tivesse aquela energia matutina que a fazia dar conta de mil coisas nas horas iniciais do dia. E seria sim essa energia que nos faria continuar dançando abraçadas ao som de “Valsinha”; “De volta pro meu aconchego”; “Sebastiana”; “Meu pitiguari”; “Preciso me encontrar”, e tantas e tantas canções da Beth Carvalho, Clara Nunes…

Penso que depois de muitos anos já deveria ter compreendido muitas coisas que mainha sacava super-rápido, como a narrativa dos desenhos animados japoneses. Se a morte não tivesse chegado tão cedo, mainha teria tido direito ao envelhecimento. Coisa que muita gente acha ruim, considero uma dádiva. Há experiências de plenitude que só ocorrem num determinado limiar da vida. Acredito que quando se perde uma parte significativa da linha do tempo de um de seus ciclos da vida, ou da expectativa que temos em torno de nossas próprias vidas, fica aquela sensação estranha. É como se estivéssemos diante de uma camisa de crochê inacabada, tá quase pronta, quase lá, mas os pontos da linha se afrouxaram, e a peça não pôde ser completada, não vai ser nunca. Só que essa sensação paira sobre quem fica.

Mainha sempre fazia uma prece, para ir antes dos filhos e filhas. Quando a gente escutava parecia trailler de filme de terror. Até que quando chegou a hora dela partir a gente entendeu melhor a dimensão daquela prece na vida daquela mulher. Acredito que continuaria indo visitando mais a ela do que ela a mim. Permaneceria com os mesmos hábitos como acordar cedo, cuidar das plantas, tirar sempre aquele cochilo depois do almoço, fazer café às quatro da tarde. E talvez até continuasse com medo de que faltasse água no sertão e no Planeta. Ainda olharia para as fases da lua, e não deixaria uma Lua Nova passar despercebida. Ah, e cobraria sempre o pedido de benção a cada filho ou filha que chegasse à sua porta.

Acho que humildemente pediria a ela um cantinho em sua cama, para aquele soninho abraçadas. Com ela o calor das tardes em Patos era um pouco mais suportável. Creio que passaríamos alguma horinha vendo os álbuns de família, catando ou debulhando algum feijão-verde. E nisso arrastando conversa, falando da nossa vida, porque ela não gostava de falar da vida alheia – uma pena. A vida dos outros nunca interessou a mainha. A discrição dela só caia por terra quando dava aquela matada de olho que nos fazia entender tudo que se passava no juízo dela. Era uma narrativa sem grafismo nem som.

Como não gostava de viajar eu continuaria levando algumas cartografias do mundo para casa dela em forma de imagens, músicas, sabores e histórias. E por fim eu fico imaginando mainha em chamada de aplicativos de troca de mensagens, acompanhando nossas viagens e marmotas. Se divertindo junto e dizendo: tenham cuidado!!!!!!

E certamente adoraria vê-la compartilhando com meu filho a mesma mesa, o chão e as centenas de cheiros.

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