Vozes e canções

Escrevo essa coluna no Dia Internacional da Mulher. O fato de ser o 8 de Março já faz o dia amanhecer um pouco mais alegre, embora todas as incertezas que pairam nesse mundo. Lembrar das que vieram antes de mim e celebrar já traz um campo de força invisível e bem-vindo. Juntar saudade e boas qualidades, rememorar os aprendizados das mães, avós, irmãs e amigas, isso refaz de fato as energias de um cotidiano tão minguado e assustador dos últimos meses. Poder pegar as fotos de tantos momentos em diferentes anos de celebração dessa data nutre de alegria por poder reencontrar nas imagens tantas pessoas queridas, sorrindo, e partilhando bem comum e bem viver.

Juntar, catar as canções e as vozes, as poesias que nos animam, poder cantar junto, cantar alto, poder dançar. Podemos, podemos muito, graças a tantas pessoas de antes e de agora que conjugam o verbo feminino num compromisso mais diário com o enfrentamento das desigualdades e violências sofridas pelas mulheres pelo Planeta. Não são flores que vão resolver, são políticas públicas, oportunidades igualitárias, uma educação não sexista, respeito, não culpabilização e violação dos corpos femininos. Enfim, ainda é algo por que se reivindicar ainda hoje.

O Dia Internacional das Mulheres não tem muito glamour não, mesmo que persista a alegria pelo reconhecimento do papel da mulher na sociedade. O fato é que depois do 8 de Março a vida continua com seus desafios na vida de nós mulheres, sobretudo as mais pobres. É preciso mais que um dia, é todos os dias mesmo. Reconheço que muitas realidades se transformaram, e celebro sempre a cada ano as conquistas. Ao passo que vejo que ter direito ao próprio corpo é primordial.

Recentemente assisti ao filme italiano Notturno, de Gianfranco Rosi, e uma das coisas que mais me impressionou foi o número de filhos de uma mulher jovem. Aquela cena é universal, ela está presente em muitas culturas e contextos, e em grande parte ela representa um contexto de exploração e pobreza, e falta de oportunidades de poder decidir sobre seu próprio corpo. E jamais se pode culpabilizar uma mulher por isso. É preciso revisitar a condição feminina nas culturas e poder atuar, da maneira que for possível, para modificar as situações de exploração.

É preciso revisitar as jornadas de trabalho em casa, a mudança começa de dentro para fora. Esse trabalho não é mais invisível, todo Planeta sabe o quanto trabalha as mãos, os pés, o corpo inteiro e a cabeça das mulheres gerando riqueza e muitas vezes recebendo péssimos salários. Quem paga pelo trabalho doméstico das mulheres, quem contabiliza? Quem reconhece? Nas fronteiras de seus lares muitas mulheres enterram seus sonhos, sua condição de ser e existir mais plenamente.

Muitas vezes as mulheres nos lares são enterradas literalmente pelo feminicídio estrutural, e no espaço público parece que têm que lutar constantemente para assegurar espaços que não são construídos de formar a reconhecê-las como cidadãs ativas.

Nesse dia lindo que é o 8 de Março eu ainda fico degustando cada conquista das que vieram antes de mim, e me dá uma imensa alegria, uma força infinita, uma liberdade maravilhosa que me faz sonhar com outro horizonte para mulheres e homens de novas gerações. Pessoas curadas, restauradas da ferida virulenta da misoginia que golpeou por séculos a humanidade. É muito bonito poder olhar para um homem e perceber nele a consciência e compromisso com a vida das mulheres. Sim, existem alguns homens que caminham junto, dignamente, com outro exercício de poder e vida comum. É viver com, é bem viver. E aprendemos todos e todas a conjugarmos a justiça e a paz.

Eu gosto muitíssimo de ser mulher entendendo que esse substantivo sempre será plural demais. E considero uma maravilha, e torna-se incrível quando a gente se desnuda das esteriótipos, dos engendramentos, das qualificadoras, dos tipos ideais, e olha para si mesma e se ama muito. E agradece por todas as escolhas, e por tudo de opressor que teve que dissipar para poder se enxergar inteira e viver mais plenamente.

Com todo carinho e respeito, não me ofereçam flores no Dia Internacional da Mulher, apenas nos trate com respeito e dignidade. Respeitem também as árvores, os rios, os mares, os biomas que como eu são parte de algo maior que é a Terra, historicamente tão violada. Estabelecer relações de cuidado de si, do outro e da Terra é mais que urgente para que as novas gerações possam existir e viver nesse planeta. Nesse 8 de Março sou gratidão por, diante dos desafios, chegarmos até aqui.

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