Vacinação

Não me lembro de haver pensado tanto em vacina quanto em 2020. Embora a vacinação sempre tenha feito parte das nossas vidas. Quem na década de 1970 como eu nunca deixou de lembrar da pistola icônica que furou nossos braços magrinhos, nem apagou do corpo as marcas deixadas por catapora, para quem a contraiu na infância, ou de modo mais dramático as consequências de doenças como poliomelite e caxumba, entre tantas outras doenças presentes na infância. Nunca esqueci dos inúmeros caixões azuis dos anjinhos, porque eram muitas as mortes de crianças recém-nascidas, ou ainda muito bebês em seus primeiros meses de vida. Em grande parte por difteria.

A imagem de um bebê morto para outra criança não é só dramática, é uma fotografia que, mesmo imaterial, que estará lá sempre gravada na memória. Quando penso nesses acontecimentos sempre me pegunto como as mulheres suportavam as perdas de seus filhos tão esperados. Como se curavam dessas dores violentas.

A vacinação antes de 2020 não era problema, ao contrário, sempre foi solução, expressão de amor, cuidado, proteção. De repente se tornou algo pelo qual muitas pessoas que haviam preservado a saúde de seus filhos e filhas com vacina, loucamente começaram a duvidar da eficácia delas, a criar histórias fantasiosas, associar a fenômenos sobrenaturais ameaçadores, a constituir um imaginário a partir de informações localizadas na inconsistência e absurdos.

Enquanto isso se processava, centenas de homens e mulheres trabalharam e ainda trabalham de forma árdua para entender o que está acontecendo no mundo, somando ideias, testando, e testando, promovendo revisão de conhecimento entre pares, analisando dados, fazendo mapeamento genético e tantas outras ações no sentido de promoção da cura para o Covid-19. E por causa da Sabedoria maior e da inteligência compartilhada tivemos a dádiva das primeiras vacinas para enfrentamento a pandemia.

Semana passada a vacina chegou à porta da casa de minha sogra, uma mulher de mais de 80 anos, enfermeira, que trabalhou mais de 30 anos com saúde pública. Ainda choro quando penso nesse momento de milagre. Uma vacina, uma dádiva. As dádivas não têm preço. Elas não têm tradução plena, elas existem. Assim celebro cada imagem de pessoa sendo vacinada. É uma sensação de estar numa guerra e ver salvação. Cada pessoa vacina uma pessoa salva, resgatada de um campo minado, agora situada num lugar de mais segurança e amparo. Cada vacina como expressão de amor pela vida humana, por esse Planeta. Cada picada de agulha como um beijo suave, repleto de ternura e respeito.

A vacinação nos permitiu olhar para a cara de nossa população idosa que enfrenta imenso idadismo, descaso, preconceito. E como está sendo incrível ver as imagens das pessoas idosas sendo vacinadas, é como olhar para o céu e poder ver as estrelas mais reluzentes. É assegurar que elas tenham o direito a viver plenamente essa etapa de sua existência.

Se tem algo urgente hoje em todos os lugares, e sobretudo nas regiões mais vulneráveis do Planeta, é vacina. E também comida, abrigo, saúde mental e uma cultura de não violência. Olhando para necessidades latentes e fortes sentimos que estamos engatinhando ainda. Todavia a Esperança, esse sentimento que surge como um farol, e nos ajuda a seguir, vai sim clareando o caminho.

Quando pela primeira vez vi a vacina contra a Covid-19 fui tomada por uma forte emoção, uma explosão de alegria. Era algo muito grande que havia chegado, era o testemunho da união humana por um bem comum planetário. E estava ali, diante de mim, e havia duas profissionais da saúde que estavam compartilhando de um sentimento iluminado pela convicção de que esse acontecimento era significativo, importante.

Ao informar a minha sogra que a vacina estava chegando, ela, que vive acamada, nos pediu para passar um batom. E assim fizemos, um batom lindo, rosa, como arremate, combinando com suas unhas pintadas e o bordado de seu vestido. Como traduzir a felicidade por um momento como esse? Agradecer apenas, a divina graça, aos tantos e tantas pessoas e a união de suas forças que fizeram esse milagre acontecer e se espalhar pela Terra. E desejar que esse amor, em forma de vacina chegue a todas as pessoas o quanto antes.