Sertão sem fim

Eu soube em primeiro plano o quer era Site Specific ao acompanhar desde 2006 o trabalho do artista paraibano Fabiano Gonper, e conhecer na época algumas de suas obras, estas que circulam no Brasil e pelo exterior, por meio das bienais de arte, e participação do artista em exposições, espaços públicos, dentro e fora das galerias, como foi o caso da Street Bienale (São Paulo, 2010). Pela pedagogia dos afetos, e com ajuda de artistas como Fabiano Gonper fui entendendo mais das artes visuais, inclusive na Paraíba, entrando na cena e tendo a oportunidade de interlocução, mediação e circulação das experiências artísticas. Sobre aqueles estereótipos de que as artes visuais são inacessíveis penso que é tudo meio balela, clichê, e uma estratégia de tornar experiências artísticas inacessíveis, ou acessíveis apenas a um segmento social. Com isto não estou querendo dizer que o universo das artes seja simples, nada disso. É complexo, e por isso, a própria arte conceitual surge como questionamento à própria natureza da arte.

Teria tanta coisa para falar sobre experiências no campo das artes, e da lindeza da Paraíba tão repleta de artistas e seus trabalhos fabulosos. Só que o espaço é curto e queria falar aqui sobre a experiência de Chico Ferreira, artista, ceramista. É muita obviedade falar que o artista é criativo, porque quem conhece o trabalho, o ateliê e as conversas sempre têm um registro da inventividade dele. Ou usando uma linguagem sertaneja diria que ele é cheio de boas cavilações (ser caviloso é de modo bem objetivo ser uma pessoa que apronta, que inventa, que é inquieta). Pois bem, nesse final de semana Chico Ferreira, na zona rural de Maturéia, mais precisamente no Parque Estadual do Pico do Jabre, fez um site specific (que eu denomino aqui de um site specific sertanejo). Trabalho documentado por Rodolfo Athayde, Camila Dias e Carlos Azevêdo.

De acordo com a Enciclopédia do Itaú Cultural, “o termo sítio específico faz menção a obras criadas de acordo com o ambiente e com um espaço determinado. Trata-se, em geral, de trabalhos planejados – muitas vezes fruto de convites – em local certo, em que os elementos esculturais dialogam com o meio circundante, para o qual a obra é elaborada”. Essa noção de site specific, segundo a publicação está ligada a idéia de arte ambiente, “que sinaliza uma tendência da produção contemporânea de se voltar para o espaço – incorporando-o à obra e/ou transformando-o –, seja ele o espaço da galeria, o ambiente natural ou áreas urbanas”.

Chico Ferreira performou na estrada de terra, desenhando a fauna dos sertões como forma de semantizar contra as formas nocivas de atuar sobre o ambiente e exterminar as espécies nativas. Enquanto materializava seus bichos, muitos deles presentes em seu trabalho de ceramista falou que estava preocupado com a preservação não só da Amazônia, cuja visibilidade era amplificada pelos jornais do mundo inteiro. Se mostrou atento a fauna e flora do Brasil de dentro, profundo, das matas e dos bichos que poucos conseguem enxergar. Porque a visibilidade do estado de dentro dos sertões só é visível quando a água ou a falta dela volta ciclicamente aos noticiários.

O site specific de Chico Ferreira me fez conjugar mais uma vez o verbo sertanejar, só que de um modo diferente. Dessa vez mais atenta da corporeidade do homem sertanejo que expressa no ato de atuar sobre o espaço, num sítio específico, todo sentimento de respeito ao lugar profundo que o habita permanentemente. Esse é o lugar do sertanejo que, não importando fisicamente onde esteja, vai encontrar sempre um sertão dentro de si. Esse lugar como espaço abundante em memória, valores, movendo um ecossistema próprio que pode ser revelar de diferentes maneiras.

Na poética desse lugar específico performado por Chico Ferreira pude entender melhor seu ato criativo de ceramista. Ele escolheu o chão, a estrada de barro, uma trilha a percorrer num gesto narrativo de amor pelo sertanejar, apontando para esse lugar e sua importância tanto quanto a Amazônia, o Pantanal. Compreendendo também que esse espaço sertanejo nem é monolítico tão pouco monocromático. Quem nasceu situado nesses lugares entende bem que a sonoridade é melhor conjugada no plural: sertões. Ainda que você se encontre num território “delimitado”, ou num site specific. A polissemia do sertanejar é um sem fim…

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