Ensino remoto, remoto controle…

Durante o período da pandemia da Covid-19 uma das coisas que ainda mais me inquietam objetivamente é o cotidiano das práticas de ensino-aprendizagem. Trabalho diretamente com educação, e entendo que esse contexto é por si só muito impactante. E o campo da educação é um dos que demandam grande atenção. Vez por outra nos ambientes de conversação muitas são as questões que surgem sobre os riscos de contaminação no ambiente escolar/acadêmico. Há sempre relatos das mães e pais aflitos pela presença permanente das crianças isoladas em casa e as dificuldades de lidar com isso. Soma-se ainda uma infinidade de dificuldades de acesso ao mundo digital. E chovem muitas e muitas matérias, sobretudo nas tvs, com professores fantasiados com o jargão de que nesse período de pandemia é “preciso se reinventar”.

A educação nos tempos pandêmicos é sem sombra de dúvidas um “Deus nos acuda”. Aqui, abaixo da Linha do Equador, acontece por força de vontade de estudantes das mais diferentes idades que tentam diariamente acompanhar as aulas; de funcionários arriscando a vida indo aos ambientes físicos na tentativa de possibilitar uma mínima infraestrutura tecnológica para transmissão online; educadores(ras) que passaram a custear a infraestrutura de energia elétrica e de transmissão de dados, pois estão fazendo de seus quartos e salas ambientes de trabalho, além de uma carga horária excessiva para poder dar conta de tantas exigências. Acontece graças às mães e pais que de se desdobram loucamente para poder acompanhar filhos e filhas, pegando material em portas de escolas ou por e-mail, e tornando-se ainda mediadores do processo de ensino-aprendizagem quando em grande parte já estão exaustos e naturalmente sem paciência.

As linhas dessa coluna são mínimas para considerar o tamanho da complexidade que tem sido a experiência do ensino remoto, dos processos de educação à distância realizados à fórceps por causa da crise sanitária. Além do triste fato de que muitos trabalhadores e trabalhadoras da educação ainda estão morrendo por Covid-19 por estarem expostos ao vírus nas aulas presenciais, em ambientes que padecem por ausência de ventilação e luz natural.

Tudo isso me faz pensar muito sobre um ensaio que li faz tempo, mas que sempre lembro porque me impactou. O nome do ensaio é Polegarzinha, e seu autor é o filósofo Michel Serres, que foi publicado por aqui em 2013, pela Bertrand Brasil. É um texto muito significativo que fala sobre conhecimento de uma maneira acessível, e da realidade de práticas educativas que estão desaparecendo. Não sou contra a mediação tecnológica na Educação. Apenas considero que precisamos levar em conta as inteligibilidades, não as restringindo apenas, à inteligência artificial. Ou apenas o acesso à conectividade como a chave para as tantas questões. Serres abre com uma provocação inicial, afirmando que antes de ensinar qualquer coisa a alguém é preciso antes de tudo conhecer esse alguém. O que nos dias de hoje se trata de uma incógnita, por estarmos quase imersos por um lado nos avatares de nós mesmos, nas performances ou no simulacro.

Para além do acesso à infraestrutura tecnológica e às infovias que efetivamente funcionem bem, os processos educativos necessitam de superação enquanto paradigmas ancorados em modelos de transmissão/repetição e encaixe. Ainda há muito mesmo a se caminhar no sentido de uma experiência criativa, colaborativa e planejada.

Talvez para que a tecnologia gere autodeterminação, participação e protagonismo seja necessário retornar a uma tecné bem mais primitiva, voltar a escuta. Se em tempos de censura a liberdade de expressão era patrulhada, hoje, na era dos bits, o ruído se faz mais forte, predominante. Há muito autoritarismo nas narrativas, como se a prevalência de uma determinada “verdade” dependesse da capacidade de imposição de quem fala. A capacidade de escuta e de observação estão passando por uma crise. O excesso das janelas digitais nos capturam cada vez mais, e esse mundo mnemônico enquanto sistema complexo e vital se esfacela um pouco.

Aprender leva tempo, esse tempo de si, que precisamos tanto cultivar, entender e respeitar.

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