Silêncio e escuridão

Eu não sei você pessoa querida que lê essa coluna, mas nos últimos dias eu venho sentindo uma necessidade imensa de uma conversão. Eu bem que gostaria de ser só analógica. E olha que não sou lá uma mulher da geração 2.0; 3.0, Millenials. Eu sou uma mulher de um tempo em que se aprendia a ler e escrever num papel, sou uma mulher de papel. E se com os papéis o cotidiano não era o dos mais fáceis, sem eles, ou na vida mediada pela tecnologia, por vezes a sensação é de saturação. Há momento em que sinto um total asfixia causada pelas conexões, pelas infovias. Por vezes eu sinto que faz falta um apagão, de forma que não comprometesse atividades essenciais. Todavia um instante que nos devolvesse a nós mesmos.

Recentemente, a discussão pelo direito ao esquecimento que começa a se intensificar aqui, me fez pensar e sonhar quem sabe com determinados freios na intensa velocidade das infovias. Acho que a memória individual ou coletiva está padecendo mesmo com uma avalanche que produz uma incomunicação profunda, um estado de neurose provocado pelos estímulos constantes de um estado de alerta causado pelo ato de estar conectado.

Por trabalhar com informação e comunicação me sinto responsável inclusive por compreender contextos, conjunturas, paradigmas relacionados ao campo no qual trabalho e me insiro profissionalmente. Do ponto de vista subjetivo, por vezes, tenho vontade, se possível fosse, de “puxar” a tomada de todos os satélites, nem que fosse por cinco minutos, para quem sabe só poder ver as estrelas no céu. É um desejo infantil eu sei. Porém é que sou de um tempo no qual as pessoas tinham tempo para tantas outras coisas. E hoje a conectividade parece nos ter reduzido infinitamente a indivíduos que respondem a estímulos maquínicos. Sei que há uma visão megaotimista da tecnologia. Até hoje por conta do trabalho leio pessimistas e otimistas (pós apocalípticos, pós integrados, pós tudo…).

A questão é que sinto tanta falta do vazio, do silêncio, da escuridão, do tempo lento em que escolhia devagar o que fazer e para onde ir. O maquinismo da hiperconexão vai tirando tudo, varrendo seus tempos mais íntimos, vai interferindo até na hora de você dormir. De repente as pessoas vão pensando que tudo é assim mesmo, que o Wi-Fi tem que ficar ligado, que você ser rastreada é bacana, que alguém te mandar uma mensagem na madrugada faz parte. A informação como uma compulsão. Eu ando realmente assustada.

Na minha utopia do detox do app eu estou sonhando com coisas simples: voltar a me balançar mais numa rede de verdade; poder olhar demoradamente uma paisagem sem que nada possa interromper; fazer as coisas mais simples e essenciais que estão desaparecendo da rotina das pessoas. Desejando não ouvir nenhum som de toque de celular, de interfone. Dias sem fazer qualquer pedido, receber alguma entrega, nenhum vídeo para baixar, nem para enviar, nenhum post ou card, nem curtir ou compartilhar, sem emojis, memes, nada, nada…

Imagina que até o execício da política, da vida pública, está anilhada ao celular. Como fugir desse encarceramento simbólico que a pandemia acentuou? Confesso que não tenho respostas mesmo. Enquanto escrevo fico pensando estratégias de fuga, de conversão diante da necessidade de buscar formas de viver menos ciborgue. E toda vez que escuto um passarinho cantando de manhã cedo, e a chuva chegando, a cachorra latindo, o vento balançando, agradeço por estar viva e poder sentir algo vivo e verdadeiramente próximo não guiado pela mediação tecnológica.

Dia desses peguei uma cadeira, à tardinha, e coloquei na rua, como se fazia antigamente, e abri um livro. Encontrei um vizinho com a namorada, senti o vento forte, vi o sol ir embora e com a finitude da luz pausei a leitura. Vi a uma vizinha se aproximar, pudemos nos cumprimentar. Sentada vi a chegada da lua cheia.

Acho que tudo isso não durou mais que duas horas e meia. Esse movimento ajudou a recompor a quietude necessária e aplacar constantes e intensos impulsos da mediação tecnológica que por vezes opera uma consumação de nosso tempo e energias vitais.

Quero voltar a ver com uma certa câmera lenta, enxergar ainda um pouco as cores da vida em tecnicolor, fazer os registros em preto e branco. E por vezes compreender que a escuta do silêncio pode nos ser algo sustentável.

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