Jornalismo para principiantes

“Vai fazer o que? – Escrever a coluna. Boa sorte em seu trabalho criativo”. Esse diálogo com meu filho marca um pouco sobre o que eu quero falar hoje. Faz alguns meses que a gente vem falando em casa sobre vocação profissional. Pensando as etapas de filhos a gente vai se revisitando sempre nas fases da vida. Sobre quem eu ia ser quando crescer? Essa pergunta veio na adolescência. Mas a exemplo de poucos adolescentes hoje, não tive que decidir isso justamente na adolescência. Pude esperar, e também pude ser quem sempre quis, em muitos aspectos da vida, e sobretudo, profissionalmente. Só que essa experiência nunca foi nem será uma equação simples na existência de ninguém.

Nenhuma pessoa nem de casa nem de fora agiu sobre mim no processo de escolha do curso universitário. Olhando pelo retrovisor da minha linha do tempo, observo que entender o que eu gostava de saber, o que tinha como habilidades, o que precisava fazer para estudar aquilo que queria tendo que deixar a família, a cidade, os amigos e amigas foi bem fundamental. Eu tinha lá uma certa imaginação sobre o Jornalismo. Todas as pessoas têm um imaginário sobre profissões, ainda que muitas visões sejam distorcidas ou estereotipadas. E sobre a profissão de jornalismo é incrível a produção de imaginários, visões assertivas, mas também ilusórias… Imaginar é mais que preciso. E minha imaginação sempre foi muito fértil e viajadora. E quando mais jovem sonhava demais. E um dia eu agarrei com minhas mãos o desejo de ser jornalista.

Entre 1988 e 1991 fiz um percurso possível, nas vivências misturadas de uma colegial cujo território físico traçava uma cartografia de uma casa, uma rua, uma escola, uma igreja, e algumas poucas casas de amigos e de minha avó. Não tinha ideia de como era a vida de uma jornalista, apenas fui me dando conta das habilidades que tinha. E confesso que depois de tantos anos acredito que não é só gostar de ler, ou de escrever, ou de observar a realidade, e ter uma atitude de escuta, ah, e nem mostrar dois lados de uma história, porque as histórias se constituem a partir de tantos ângulos… É tão complexa a profissão que cultivei e cheia de encantos e ambiguidades. Lembro que nessa época decidi, não sei com que dinheiro, comprar um livro publicado pelas Edições de Ouro, chamada de “Jornalismo para Principiantes”, do Natalício Norberto.

Recentemente ganhei essa edição de meu esposo. Um gesto de carinho e delicadeza por trazer de volta uma das primeiras leituras sobre o assunto, que iria me conduzir a tantas, e tantas bibliografias sobre teorias e pragmática do Jornalismo. Confesso que o jornalismo não é para principiantes, não mesmo. Só que exige um ponto de partida. Revendo essa leitura queria destacar algumas palavras de Norberto, quando diz que “o jornalismo é uma profissão mutável, sob certos aspectos”. Eu amo essa profissão imersa em metamorfoses, e considero profundamente desafiador viver dela. E a vejo ainda como necessária ao social. Agora é preciso entender que nem tudo que se diz jornalismo realmente o é. A realidade de precarização das práticas jornalísticas também passam pela construção de uma fachada em torno dela, da produção de ilusões e mentiras e de estruturação de pseudo-acontecimentos que tomam também a cena pública e confundem muito as pessoas.

Imagina lidar com o tempo, o espaço e a verdade como chão de seu trabalho… Todos os dias jornalistas lidam com a tessitura das palavras tendo que (re)narrar mundos concretos, poderes e paixões. Desde Gutemberg tudo na profissão é transformação, é declínio e recomposição.

Não sei se um dia o jornalismo vai se acabar… porque eu vejo o jornalismo morrer e nascer no dia seguinte. Todo dia morremos um pouco, e vamos ressurgindo… Hoje sem a força física do espaço laboral das redações e suas histórias memoráveis. A nuvem é o novo ambiente de trabalho que comporta os antigos e novos dilemas.

Se o que vivemos hoje é uma distopia, parte dela nos fala sobre incomunicação. E sinto muito todos os impactos e ataques vividos por bons profissionais de imprensa nesse tempo em diferentes culturas. E acredito, claro, continuo acreditando no que de bom um jornalismo de qualidade é capaz de fazer pelo mundo, por nós mesmos. Eu nem sou mais uma principiante no jornalismo, e ainda assim sigo encantada mesmo com as novidades, com a arte de contar histórias tão potentes, repletas de vida, força e sentimentos. Sim, há muitos e muitos sentimentos, subjetividade na escrita jornalística

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