Os fios não tão visíveis

No dia 06 de junho eu completei um ano escrevendo para o jornal A União. Sou grata ao colega Phelipe Caldas que fez o convite, e a toda equipe do Jornal que tenho tanto carinho. São colegas, trabalhadores da imprensa como eu. Cotidianamente vivendo a experiência social de produção de relatos sobre o real. Phelipe não tinha idéia da internalidade de minha escrita. Quantas vezes escrevi, quantas e tantas vezes risquei e joguei fora os papéis, embora tendo escrito dissertação e tese. A força da escrita sempre foi intensa em mim, ao passo que a timidez também. E logo eu que tinha sempre na ponta da língua o discurso de afirmação da escrita feminina, para as outras. Porque quando se tratava de mim…

Confesso que o convite feito ano passado veio num contexto em que orientava uma pesquisa de mestrado, de Maryellen Badãrãu, sobre escrita feminina na imprensa refletindo sobre o trabalho de Ana Adelaide Peixoto Tavares, Vitória Lima e Jona Belarmino. Orientar esse trabalho foi significativo demais, porque embora lesse tanto sobre a escrita das mulheres e questões implicadas, fui me dando conta que em pleno Século XXI era necessário ainda unir esforços.

Foi nesse contexto que quando recebi o convite pensei por um instante em fugir, como fiz inúmeras vezes. Já estava até pensando na minha cabeça como iria esboçar essa rota de fuga. Só que o Phelipe, talvez, intuitivamente, sem que eu dissesse sequer alguma palavra, foi assertivo ao perceber o quanto a escrita em minha vida sempre representou um lugar de existir. Precisava responder aquela questão que me atingiu. E a resposta não poderia tardar.

Penso que ao responder aquela pergunta de forma afirmativa me redimi das tantas fugas, assumindo medos, imprecisões, a incerteza relacionada aos universos de quem se dedica a escrever. É mais além que o lugar de fala, embora esteja também atravessada por essa questão. Penso por vezes que escritoras e escritores estão meio que tocando um piano invisível, cuja sonoridade seja tão difícil de encontrar ao se reportar a mundos tão dissonantes.

Me encontro e vou me perdendo também no ato de escrever. As questões do presente seguem me consumindo: o racismo estrutural matando, nos maltratando, sociedades convulsionadas, viver uma Pandemia, vivenciar um luto, amar, solidarizar-me, atuar… Respirar. Sentir o impacto do mundo social, da conjuntura brasileira. Escutar as pessoas se reportarem ao “novo normal”, e não ver normalidade na perversidade que se antes parecia margear, hoje parece imperativa. E a escrita vai se torna uma tentativa de equilíbrio diante do caos. E de contestação de todos os horrores do qual somos testemunhas.

Carrego nas pontas dos dedos e no coração a gratidão ao Phelipe e às pessoas que com tanto carinho lêem o que escrevo. O que sempre considero uma Dádiva. Com a escrita tenho a oportunidade de reencontrar pessoas, e conhecer tantas outras. Através dela entre em lugares singelos da particularidade de alguém que em diferentes tempos e espaços dialogou com emoções, idéias, vivências. É de fato um universo surpreendente a escrita e suas vozes que bailam em nós. Por isso aqui agradeço pelos leitores e leitoras que são parte do cotidiano e somam tanto ao ninarem cada texto parido. Cada texto é uma gestação. A gente se abre para o que chega, e num momento a gente solta, deixa ir, perde por completo o “domínio” das palavras e seus sentidos. Tanto mistério no ato de escrever, tanto trabalho…

Carrego um sentimento bem profundo de reconhecimento e gratidão a minha família por compreender a dimensão da escrita em mim, desde muito cedo, pois minhas bonecas nunca foram protagonistas de minha espacialidade. Foram substituídas pela observação do mundo, das ruas, das pessoas, dos objetos, das relações sociais. Não sei ao certo se foi bom ou ruim. Apenas foi assim, seguiu, fluiu, me conduziu.

Celebro a força desse mês em mim: o ciclo das águas, o ciclo junino, o solstício de inverno, a vida do filho, a partida da mãe, o tempo e os ventos, as marés… Agradeço os fios não tão visíveis que tecem e tecem muita vida, através do afeto, da solidariedade, perdão, gentilezas, criatividade, sororidade, acalanto, inteligência, contrariando assim os surtos de imbecilidade e sendo um antídoto contra a voracidade dos maus e dos algozes.

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