O mangaio que habita em mim

Nunca pensei em toda minha existência que fosse ter agonia ao pensar ou ouvir que a feira havia chegado. É sério, honesto o que digo agora. Se em momentos antes eu gosto de fazer a lista, pensar no cardápio, nos ingredientes de que preciso, e saber que mesmo em tempos como esse o pão nosso chega à mesa. Por outro lado, a tensão se instala quando o interfone toca. E eu já sei que é o fantasma da feira que chegou e que vai subir. Daí minha gente é uma agonia que não sei descrever. É o inusitado: eu com medo de feira, algo que foge ao meu controle, uma situação nova que tenho que lidar com todo cuidado. Respiro fundo!!!

Durante toda minha vida as feiras foram sempre meus espaços prediletos, um território que amo pisar, circular, observar, fotografar, comer, conversar, visitar, tomar caldo, escolher ingredientes, conhecer pessoas, comprar frutas, legumes, raízes, mangaio. Pechincar e por vezes arengar mesmo com feirantes nas negociações. Ir às feiras sem negociar? Nunca, está no sangue dos sertanejos negociar.

Sempre fui convidada a acompanhar meus pais desde muito pequena às feiras. Sempre amei a arquitetura das feiras livres. Na infância a feira de minha cidade natal era mais caótica, embora exercesse em mim um fascínio incrível por seus labirintos. Pais e avós me ensinaram o respeito à Terra e agricultores e agricultoras bem ali, na vida cotidiana, desde cedo. Mostrando que nada cai pura e simplesmente do céu. Para que do solo brote frutos é necessário muito trabalho, dedicação, cuidado, esforço e amor a terra. Por isso sempre me senti parte dessa vivência e irmanada com agricultores e agricultoras, campesinos.

Aprendi a ser independente indo às feiras, a pedido de minha mãe. Na adolescência era eu quem escolhia em algumas ocasiões os produtos. Com lista e dinheiro, sem poder carregar as compras sempre contava com a ajuda de um balaieiro, e depois de um menino com carrinho de mão. E eu lá de flâneur de feira me sentindo uma executiva. Curtindo muito a autonomia exercida, a responsabilidade e as capacidades. Claro que vez por outra eu dava uma mancada, como da vez que comprei um galo velho achando que estava fazendo um ótimo negócio para alimentar uma família grande. Minha mãe ficou com muita raiva, porque disse que tinha ido todo o gás de cozinha naquele galo. Eu, toda desconfiada, aprendi essa lição.

Todas as vezes que chego num lugar novo procuro logo saber onde que ficam as feiras. Pura necessidade, porque acho que muito de essencial dos lugares estão mesmo no território dos feirantes. Quando morei em Cuiabá amava chegar na feira de lá e ver aqueles surubins imensos, maiores do que eu, identificar pacús, tambaquis, cacharas… Era um aprendizado imenso da cultura alimentar brasileira, da identidade cultural, dos hábitos indígenas e da cultura alimentar africana. Tudo isso me nutre.

Tive a oportunidade maravilhosa de estar no cotidiano das feiras agroecológicas do Pólo Sindical da Borborema. Poder saber o nome da cada feirante. Estar perto das mulheres agricultoras e conhecer sua labuta, ir as propriedades rurais, ver o dia nascer em Campina Grande estando na Feira do Museu do Algodão. Quantas celebrações, quantas lutas contra os transgênicos, quantas conquistas como a preservação das sementes nativas e uma economia mais justa. Das melhores vivências da minha vida campinense foi morar ao lado do mercado, perto da feira de flores, na antiga Rua da Floresta. E fazer da Feira de Campina Grande, maravilhosa, meu terreiro brincante.

Ao mudar para Capital conheci primeiro as feiras dos bairros. Depois fui morar ao lado do Mercado Central. E se de noite o Mercado vazio parecia assustador, durante o dia era sempre festa, cores, movimento. Feira se faz com gente!!!!! Muita gente. E encontro nas feiras muitas pessoas incríveis e suas histórias. É por exemplo na feira da Torre que vez por outra encontro o cronista Gonzaga Rodrigues, e sempre é uma alegria. Como também poder sentar lá em Dona Irene para despreocupada tomar café com leite observando, pensando e rindo sozinha. Feira é um programa cultural que faço sozinha ou acompanhada. Desde que sem pressa.

Acho as feiras irresistíveis. Esse meu fraco por feiras sempre me levou a lugares incríveis que me trouxeram muita alegria e aprendizado. E por isso espero que esse desconforto de me assustar quando chega a feira chega passe logo. E que se possa recuperar toda a plenitude de poder circular nas feiras, encontrar as pessoas, os cheiros, sabores e saberes que são parte desses territórios.

Toda vez que volto a minha cidade, retorno ao Mercado, e lá me vejo correndo em diferentes fases da vida, naqueles labirintos tão cheios de calor e luminosidade. E dou aquele sorriso ao reencontrar Maria do Bode e seus alumínios reluzentes.

cado, e lá me vejo correndo em diferentes fases da vida, naqueles labirintos tão cheios de calor e luminosidade. E dou aquele sorriso ao reencontrar Maria do Bode e seus alumínios reluzentes.

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