Babete

À memória de Suely Araújo, minha irmã.

Babete me acolheu quando ela tinha dezesseis anos. Foi quando eu cheguei em sua vida. Passei a conhecê-la melhor quando eu tinha cinco ou seis anos de idade, pelos rituais que cumpria, ao desembaraçar meus cabelos longos, fazer um coque “estilo” princesa Léa (Guerra nas Estrelas), para que eu fosse para escola sempre arrumada. Nessa época os penteados variavam bastante. Outra coisa de que meu corpo lembra bastante eram os carinhos que dela recebia, com suas unhas compridas alisando minhas costas para eu dormir, assim pegava no sono mais rapidamente.

Ela era linda. Alta, cabelos lisos, longos e castanho escuros, olhos negros. Não gostava de ser branca como uma vela, e passou longos anos a se bronzear. Depois desistiu porque não pegava cor. Sabia pintar, costurar, cozinhar, era boa em matemática financeira, e me tirava as dúvidas de vocabulário. Vaidosa, sempre soube se maquiar, escolher figurino, ter estilo, ser elegante, cuidar dos cabelos, unhas, pele, alimentação (de preferência natural). Tudo isso com enorme eficiência e autonomia.

Tímida, poucas vezes a vi dançar, como vi todas as outras garotas de sua geração, ao som de músicas de discoteca(do Abba, Donna Summer, Elton John), mas lembro bem das calças fleurs, das botas de couro, das bolsas de mulheres jovens, de sua geração, que ela gostava de usar.

Babete, extremamente introspectiva, desenvolveu outras linguagens, como a gastronomia. Era imbatível. Por isso assim me refiro a ela, parafraseando a personagem do filme dinamarquês. Porque também carregava em si uma generosidade que até hoje não sei calcular.

No final dos anos 1980 decidiu ser missionária. Apoiei, embora tivesse enormes reservas, com medo que o mundo, as pessoas, as instituições a maltratassem. Considerando que, por mais generosa que fosse, aquela entrega era demais, exigiria muito. Seguiu para o Rio de Janeiro para estudar Teologia. E, por vários anos, subia e descia o morro do Jacarezinho para fazer trabalho comunitário. Tudo aquilo me comovia, envolvia, fazia pensar. Seus propósitos missionários sempre a fizeram seguir o Ide de Cristo, em quem verdadeiramente e genuinamente acreditava. E assim seguiu por mais de 30 anos. E agora enquanto escrevo me dou conta de que foram longas jornadas por diferentes lugares sem pestanejar, sem duvidar de que aquela era sua vocação, seu desígnio.

Semana passada Babete partiu definitivamente, após a Páscoa. Depois de seu banho matinal, depois de seus rituais de autocuidado. Depois de suas preces e meditação, como ela mesmo dizia: “depois de fazer minha devocional”. Porque o dia dela só começava depois desses momentos mais íntimos e indivisíveis. Sempre acreditou que nunca andava sozinha, porque, Deus, fiel, caminhava com ela em todos os momentos.

Por vezes eu sentia raiva de Babete pelo excesso de bondade, por achar que tinha gente capaz de abusar de sua boa vontade. Ela sempre dava a volta por cima. Como no filme, estava disponível a preparar um grande banquete, ofertar, acolher, compreender. Literalmente, ao longo de nossa vida, preparou longas e inesquecíveis ceias, e se enchia de felicidade ao ver a alegria que inundava nosso ser. Quer fosse nas noites mais simples, ou nas datas mais significativas, como São João, Natal e Ano Novo, lá estava Babete criando receitas, inventando sabores, preparando a mesa alegremente.

Babete fez meu bolo dos 15 Anos para que eu nunca esquecesse daquela noite em 1988, daquele jantar com as amigas mais queridas e a família. Ela também criou uma receita de um bolo exclusiva para meu filho. Ela pegou a ambos, crianças, em seus braços.

E quando eu sinto a “ausência” de Babete, eu só fico imaginando no tamanho da Ceia que lhe foi ofertada expressão da Eternidade, tal qual cria, confiava e se entregava.

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