Sou carnavalesca?

Desde que janeiro acabou que eu fico atenta ao redor e as transformações ocorridas nas pessoas e na cidade por causa do Carnaval. Eu acho lindo a excitação das amigas carnavalescas. Mas acho mais que estou para Dorival Caymmi. Eu bem que me esforço um pouco, mas tem jeito não. Fico me perguntando se teria sido aquele medo da infância dos papangus e dos bois. Eu não tinha apenas medo, era pavor. Não sabia naquela época o que era pânico, mas quando via aquele boi entrando em alguma rua e vindo em minha direção, sempre corria feito trem-bala, em busca de alguma porta aberta para me refugiar. Eles eram lindos, muito coloridos, animados, cercados de gente ao redor. Não entendo o porquê meu coração palpitava e eu só queria correr pra bem longe.

Fui reconciliada com os bois (cavalos marinhos) na juventude, pelo canto, pelos brincantes saltitantes. Só assim pude entrar no terreiro brincante, de forma singular e voltar a ser criança agora sem medo, entendendo melhor o ciclo. Aí, entrei de cabeça nas canções, na etnografia e a descoberta de imagens lindas do Cavalo Marinho de Mestre Gasosa em Bayeux. E depois da musicalidade do Mestre Ambrósio e do trabalho primoroso do querido amigo Hélder Vasconcelos que há décadas pesquisa, atua, participa, incentiva e produz ações de valorização ao Boi Marinho.

Considero que sendo o Brasil tido como o país do Carnaval, eles são tão múltiplos, diversos. O meu transita entre a calmaria e a cultura popular. Passei uma adolescência inteira em acampamentos organizados por igrejas em períodos carnavalescos, onde curtia o contato com a natureza, meditava, praticava esportes, cantava e tocava violão, brincava com jogos de tabuleiro, cooperava com atividades coletivas de cuidado com a terra, conhecia lugares e pessoas novas. E quando estava de volta o Carnaval já havia dado espaço para agenda da quaresma.

Sempre mantive meu amor pela cultura popular e por muitas vezes fui à cidade de Nazaré da Mata, reencontrar mestres do Maracatu Rural, estar entre o povo, entre a vida urbana e rural, estar perto dos canaviais, e tantas vezes estar de mãos diante do encanto de uma população que se reconstrói lindamente no canto, na dança, na solidariedade, no estar junto, no manter constante e presente rituais ancestrais para lidar com as durezas da vida e seus pequenos milagres. Indescritíveis são as emoções de estar no ciclo de alguma tradição da cultura popular nordestina. É preciso viver apenas.

Por outro lado, eu não gosto desse excesso de euforia do Carnaval, sinto estranhamento. Não gosto de som alto, empurra-empurra, mela-mela, puxa-encolhe. Embora ache em alguns momentos engraçado. Só que em mim isso destoa por completo.

Fico me questionando de que seja feito meu Carnaval? Acho que dessas memórias e experiências mais intimistas. Lembro do dia em que vi uma amiga. Ela uma mulher contida, formal, conhecida no campo da filosofia, sempre tratada de forma solene. Estávamos num encontro de mulheres, e num círculo, depois de muitos diálogos e partilhas ela, se levanta linda, e canta com toda a poesia que possa existir nesse Universo, “As Pastorinhas”. E todas nós de mãos dadas tentamos cantar juntas. Até hoje quando eu lembro, eu choro, tamanha emoção que senti, ao estar de mãos dadas a tantas mulheres diferentes, e no frio, cercadas por montanhas, numa grande roda, juntas e solidárias umas às outras, sermos um só bloco, um só coração e afeto. Nesse momento a admiração que sentia se tornou mais amor.

No presente eu ainda nutro o tempo contemplativo, ao passo que curto muito as amigas que ficam lindas, coloridas, enfeitadas, escolhendo e vestindo as fantasias. E por alguns instantes vou me juntando a elas para o aconchego e acolhida das canções belas que são como um carinho, e uma grande saudade, e me junto ao riso espetacular delas na alegria de estarmos juntas. Esse ano comprei até uns diademas, e enfeites para as fotos, o que me enche de muita graça para o exibicionismo virtual. Mesmo achando que o Carnaval tem um lado Pierrot bem profundo.

Talvez o Carnaval do Brasil seja um eterno work in progress, nunca acaba, por vezes expõe mazelas e segue mascarando tudo o mais… território da ambiguidade.

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