Ecofeminismo, mulheres e teologia

Na última terça-feira reencontrei amigas queridas. Depois de longos anos. Todas antes espalhadas por tantos cantos, diante de tantas jornadas, unidas por uma Espiral Sagrada. Ainda não sei ao certo expressar a profunda alegria, as emoções, a memória, a saudade, o afago, o milagre, o afeto e tudo que o momento de estar juntas representou de tão intenso para nós. Toda e qualquer palavra parece não dar conta de significar este instante. Depois que tudo terminou fiquei com a emoção do encontro me povoando, e fiquei pensando em nossos primeiros encontros.

Nos conhecemos há 26 anos, em João Pessoa, estudantes de teologia em diferentes instituições, e fazendo universidade. Frequentávamos igrejas cristãs e participávamos de grupos de base seja no protestantismo ou no catolicismo. Adotamos uma postura ecumênica, e pelo feminismo que nos mobilizava fomos nos encontrando para refletir sobre a face feminina do Sagrado, sobre a relação das igrejas com as mulheres. Eu só posso afirmar, como tenho pouco espaço, que foi muito rebuliço. Eu não tinha noção de como fomos corajosas e vanguardistas, numa cidade provinciana, num universo tomado pelo crescimento do neopentecostalismo e movimento carismático.

Nesse período a gente estudou tanto, e nem achava que a gente tava preparada, era tanto livro, texto sobre filosofia, teologia, feminismo, psicologia, mitologia, literatura. Eram sábados, domingos, por vezes feriado, ou numa sala no Mosteiro de São Bento ou numa casa que nos acolhia, juntas, cada uma trazendo uma refeição para partilhar. E vinham junto às reflexões, tensões, descobertas, dúvidas, angústias e alívio por tantas rupturas necessárias. Assim fomos amadurecendo um entendimento sobre ecofeminismo, junto com Agostinha Vieira de Melo, Ivone Gebara, Mary Judy Ress, o Coletivo Con-spirando, as editoras da Revista Mandrágora, as publicações de Uta Ranke-Heinemann, Rosemary Radford Reuthe, Elza Tamez, e toda literatura que nos ajudava a compreender as escolhas das mais relevantes que fizemos naquele momento, e que seriam fundamentais para a vida toda.

Como toda vanguarda, a ruptura era grande, nem sempre confortável, porque tinha momento que era tanto choro, que seguia acompanhado também de afeto, aconchego, respeito. Éramos jovens, repletas de personalidade, muita opinião e uma curva hormonal crescente. Ser mulher ecofeminista ainda num contexto religioso era “pau na moleira”. Assim a gente foi seguindo problematizado nosso ponto de vista sobre as religiões como lugares de dominação das mulheres, e a experiência de pensar os múltiplos sentidos e lugares do Sagrado, a relação entre mulheres-natureza.

Na “teologia em ritmo de mulher” a gente ia tecendo nossa própria história de vida, nossa linha do Tempo na relação ainda com a cidade. Assim realizamos tantas celebrações em praça pública buscando a poética da espiritualidade aliada ao compromisso com o social. Quantas vezes em frente ao adro da Igreja de São Francisco, espaço de fora das igrejas, lugar de autonomia, de dizer não às violências de gênero praticadas pelas instituições religiosas ao longo da história e afirmar que nossas histórias e corpos nos pertencem. Imagina combater o uso de transgênicos no início da década de 1990, quando muitos sequer alcançavam o entendimento dos riscos para saúde e meio ambiente. Evocar a relevância das águas quando nem se falava em mudança climática. Na última terça-feira fiquei pensando novamente sobre tudo isso que vivemos, e quanto orgulho de tudo, de todo afeto construído, tanto amor e honestidade. Não por acaso quando a gente se encontra a gente ri e chora, se arrepia, se abraça, faz a ceia do nosso jeito particular. E a gente canta, canta muito…

Nesse reencontro uma de nós ofertou a música Alguém Cantando, do Caetano Veloso, e abraçadas cantamos juntas: “alguém cantando longe daqui, alguém cantando longe, longe. Alguém cantando muito, alguém cantando bem, alguém cantando é bom de se ouvir. Alguém cantando alguma canção, a voz de alguém nessa imensidão. A voz de alguém cantando, a voz de um certo alguém, que canta como que pra ninguém. A voz de alguém quando vem do coração, de quem mantém toda a pureza. Da natureza. Onde não há pecado nem perdão…

Gratidão à Anadilza Maria Paiva, Malú Oliveira, Elinaide Carvalho, Graça Beserra, Rosemary Marinho, Roselei Bertoldo, e as mulheres tão especiais que naquele momento nos iluminaram.

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