Brincantes da luz

Em meados dos anos 1990 eu conheci um coletivo de fotógrafos paraibanos que transformaram a cena das artes visuais, ao colocarem em evidência a Fotografia num território que de forma rara considerava a imagem fotográfica como arte, linguagem. O circuito das Artes Visuais da Paraíba pouco dava a atenção ao circuito da Fotografia. Assim, ao conhecer a Agência Ensaio, conheci também o fotógrafo e curador, Ricardo Peixoto, que desde esse período vem inspirando muita gente que se sente tocado espiritualmente pela fotografia.

Para além de fazer pensar sobre as técnicas, pura e simplesmente, a trajetória do profissional como arte-educador, tem nos provocado fortemente, subjetivamente, ao buscar na imensa escuridão, os rastros e lampejos necessários às escrituras de Luz.

Honestamente, nunca pensei ser tão desafiador, começar a refletir sobre imagens, passando por um caminho desconstrucionista em torno da técnica. Uma coisa foi ler Walter Benjamin, Susan Sontag, Donna Haraway, Teresa de Lauretis, e o que essas leituras somaram a minha percepção sobre o mundo imagético, interpretativo, da reprodutibilidade técnica às tecnologias discursivas do poder. Outra experiência, totalmente sensorial, tem sido vivenciar um conhecimento nada convencional, proporcionado por Ricardo Peixoto, nos ciclos dos Brincantes de Imagens.

A proposta teve início em 2019. O ciclo se traduz claramente num movimento, como se define, na voz dos que dele participam, “numa aventura sensorial”. Eu peguei o movimento não em sei início, mas em seu percurso. E fui acolhida por pessoas que como eu, amam a fotografia, e que fazem dela parte de seu modo de ser e existir. Mesmo acabrunhada, fui me dando conta, presencialmente, nos momentos dos encontros do Coletivo, e não presencialmente, nos espaços das trocas à “distância”, mediados por celulares, ou computadores, do desafio imenso de experimentar a construção da imagem entendendo o sentido vital da respiração.

Imagem-pulsação. Rito de muitas passagens. Confesso que por vezes tinha até medo de escutar as provocações para seguir “vendo” e compondo nas escrituras da Luz, o invisível, na busca por uma narrativa imagética que não estivesse ancorada nos dispositivos técnicos, embora deles dependessem, de certo modo. Sentir a pulsação da respiração na direção de um movimento interno, focado nas emoções, e na conexão, não com os dispositivos tecnológicos, mas na energia vital, e nos sentidos de pertencimento que vamos tecendo no decorrer de nossas vidas. Reencontrar-se com seu próprio corpo como paisagem e performance, procurar outros códigos não pautados na grafia, nem focar as representações do real, faziam parte das experiências diárias na composição de um desenho diário das fotografias dos Brincantes.

Era preciso passearmos por dentro, por nossos territórios subjetivos. Ricardo Peixoto, como arte-educador, não costuma trazer respostas, como os mestres, consegue fazer as perguntas necessárias, o que os Brincantes constroem nessa ciranda, do ponto de vista imagético, resulta de uma vivência íntima de suas relações com a dimensão tempo-espaço-subjetividade-imagem. Assim buscam na fotografia a tradução de pequenos milagres cotidianos.

Ao participar do Ciclos dos Brincantes de Imagens percebi por vezes, até dolorosamente, como a velocidade estava sufocando toda e qualquer possibilidade de sentir e tocar tanto as coisas mais óbvias e corriqueiras, quanto a fluidez, a liquidez, a intensidade dos signos que nos animam, revitalizam nossa experiência e nos situa em direção à Vida.

O que compartilhamos, além das imagens, é o percurso, o processo, o contínuo, o sonho. O que me lembra muitíssimo o filósofo e poeta francês, Gaston Bachelard. Partilhamos as simbologias desse inconsciente coletivo provocado a Respirar, encher os pulmões de ar, e lançar sobre nós a experiência de um Tempo Sagrado, voltado a cultivar, por meio das narrativas fotográficas, o Bem Viver.

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