A morte das notícias

Nesta segunda estive em Aracajú, à convite do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Sergipe para participar de uma banca examinadora de mestrado e ministrar uma palestra. Num contexto tão desafiador de cortes de recursos e investimentos na Educação Superior e nas instituições de pesquisa, os programas de pós-graduação do Brasil têm unido forças para realização de suas atividades acadêmicas mantendo sua inovação e qualidade. O tema da minha palestra foi “A morte das notícias e o enfraquecimento do ideal de verdade”. Em 2019 completa dez anos da quebra da obrigatoriedade do diploma para o exercício profissional na área de Jornalismo, e certamente esta medida trouxe muitos impactos, também para a sociedade.

Não apenas jornalistas, mas veículos de comunicação e a sociedade têm vivido os efeitos colaterais com o crescimento da disseminação e informações falsas. Ao lermos “A morte da verdade”, da crítica literária Michiko Kakutani, percebemos que não é de hoje que regimes totalitários se constituem com base na violação e esfacelamento da verdade. Essa dinâmica culmina com um tipo de simbolismo que faz circular informações que criam tamanha subordinação, que faz desaparecer a diferença entre fato e ficção.Esse contexto cria uma mapa de significação cultural que se pauta pelo desaso pelos fatos, substituição da razão pela emoção e a corrosão da linguagem.

O declínio da verdade também significa o enfraquecimento do papel dos fatos e análises. Nós jornalistas e também cientistas atuamos a partir dos fatos. O boom de expressões como “fake news”, fatos alternativos e a tendência de negação da ciência são sintomas do que se denomina hoje era da Pós-Verdade. Um tempo que se expressa ainda pelo ataque às instituições democráticas e as normas vigentes. Por isso os ataques à imprensa, ao sistema eleitoral, às instituições educativas. O populismo e o fundamentalismo têm sido a expressão de um mundo em crise profunda.

A desinformação tem sido uma das principais estratégias de implosão das democracias, embora não seja um problema recente. Mas na atualidade ela representa um desafio maior uma vez que as pessoas não compartilham a mesma base de fatos. A todo momento, pseudoacontecimentos são construídos não com base na verdade (ocorrido, vivido), e são disseminados numa relação tempo-espaço nunca antes vivenciada, e com a mediação de robôs. Produzindo assim ataques à verdade (realidade objetiva), empírica, baseada em evidências.

A arquitetura binária das redes sociais, liga, conecta usuários que pensam da mesma forma, e segue nutrindo o sistema com informações, com fachada de notícia, personalizadas, que reforçam idéias pré-concebidas, possibilitando a criação de bolhas, ambientes fechados e sem comunicação com o exterior. Estamos ainda num contexto desafiador em relação às interações sociais. A comunicação é uma necessidade antropológica, é interação. A comunicação mediada por computadores tem enfatizado uma experiência de radicalização, e isolamento social. Quando debatemos políticas e questões precisamos entender as mesmas a partir de fatos comuns, de um contexto social compartilhado. Isolamento, individualismo, cultura do medo e da vigilância, o culto ao anônimo, a dependência tecnológica, o declínio do discurso racional (lógico) são angústias vividas em nosso tempo presente.

Pensar a centralidade da democracia faz com que a gente questione a “sabedoria das multidões”, que tem minado o lugar do conhecimento, deixando confuso o que é fato e opinião. Enfrentar de forma pacífica, equilibrada e inteligente a hostilidade deliberada contra o conhecimento é uma necessidade hoje. É preciso recuperar a práxis das palavras geradoras de sentido, do entendimento de que a leitura do mundo antecede a leitura das palavras. A leitura superficial guiada pelos algorítimos nos tolhe do tempo de reflexão necessária ao melhor entendimento dos fatos sociais. Talvez isso nos ajude a lidar tanto com a desinformação quanto com o relativismo que advoga uma verdade restrita centrada no narcismo, no culto ao EU.

É preciso não esquecer ainda que há um mercado amplo e lucrativo com base na desinformação, que faz uso da circulação de informações falsas, do medo, dos memes, das mentiras como armas, que nos faz estar diante de uma esfera densa de violência simbólica.

Talvez seja preciso recuperar o valor da verdade como virtude no intuito de enfrentar a perda de civilidade do tempo presente.

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