Uma fé no cinema

Na última quinta-feira participei da estreia do filme brasileiro Divino Amor, dirigido por Gabriel Mascaro. No elenco, nomes conhecidos da cena cultural paraibana, a atriz Suzy Lopes, e os atores Thardelly Lima e Tony Silva. O filme, que já passou pelo Festival Internacional de Cinema de Berlim, narra a história de Joana (Dira Paes), funcionária de um cartório que usa de sua influência para “salvar” relacionamentos em crise, na expectativa de que esse ministério lhe possibilite um milagre.

Após a exibição o próprio diretor, Gabriel Mascaro, a pastora Thaiana Assis, da Igreja Metodista em João Pessoa, o cineasta Bertrand Lira construíram junto com a plateia, algumas reflexões durante o debate mediado pelo jornalista André Luís Maia. Uma das questões apontadas era a necessidade de pensar a complexidade dos fenômenos e instituições religiosas do Brasil, tendo em vista sua complexidade e os riscos no que diz respeito à formação de estereótipos, preconceitos e perseguição.

Considero o tema da religiosidade duro, cheio de desafios, dores, violência, afeto, melindres, mas confesso que o Cinema (tanto quanto à Literatura) sempre me ajudou a pensar muito sobre espiritualidade, fé, dogmatismo, religiosidades, sagrado. Além dos clássicos da Sessão da Tarde, entre eles os filmes exibidos na Semana Santa, assisti filmes importantíssimos para pensar criticamente e gostaria de destacar alguns. Com Deus e o diabo na Terra do Sol, mantive uma relação dúbia de encanto e rejeição com o Gláuber Rocha, a fascinação era ver o sertão ali representado mostrando suas contradições e lutas sociais, observar a crítica da religiosidade atrelada ao poder político e o messianismo presente no tecido social. A rejeição inicial foi causada por dois fatores: a exibição foi realizada bem cedo da manhã, num auditório cheirando a mofo e cheio de muriçocas e pelo desafio inicial de compreender seus aspectos estéticos. Era preciso tempo para pensar.

O Reino de Deus, da cineasta paraibana Vania Perazzo, foi um dos primeiros documentários paraibanos que pude assistir em meados dos anos 1990. O olhar etnográfico da cineasta sobre uma igreja neopentecostal no centro da cidade de João Pessoa pôde me fazer pensar melhor sobre os processos de mercantilização da fé.

Considero que marcantes também foram A Missão (Roland Joffé) e Brincando nos Campos do Senhor, de Héctor Babenco, ambos se passam em território amazônico, em épocas diferentes, um durante a colonização, outro num período mais recente. Seja expressando o papel opressor das instituições religiosas em relação aos processos colonizadores, dizimando populações indígenas, expropriando o território, violentando mulheres indígenas, escravizando a população negra, e ainda mostrando as crises que envolviam os personagens que tinham uma fé genuína e compromisso ético com os povos nativos, esses dois filmes se mostram extraordinários e de muita sensibilidade no entendimento das relações entre Estado-igreja; natureza-cultura; identidade-sagrado.

Mais recentemente Spotlight – Segredos Revelados (Tom McCarthy) narra a história verídica da equipe editorial do jornal Boston Globe, que por meio de um trabalho exímio e competente de jornalismo investigativo, denuncia os casos de abuso sexual e pedofilia envolvendo padres e acobertados pela cúpula da Igreja Católica. E também Philomena (Stefen Frears), drama lindamente protagonizado pela atriz Judi Dench, sobre uma jovem irlandesa que, solteira, engravida, e é enviada a um convento, onde em troca do cuidado com as crianças, as mães são exploradas e coagidas a “entregar” os filhos para adoção. É denso e bonito o dilema da personagem entre a manutenção de sua fé e o enfrentamento da verdade na busca pelo filho.

Não poderia esquecer ainda Almodóvar, que tem uma filmografia reconhecida, importante, e que traz temas e denúncias relevantes no que se refere aos abusos praticados por instituições religiosas. Mas no cinema nem tudo é crítica ou drama, Mudança de Habito (Emile Ardolino) foi um grande sucesso dos anos 1990 que através do humor satirizou a falsa moralidade e reafirmou o talento da jovem protagonista de A Cor Púpura, Woophi Goldberg.

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