A violência além dos números

Recentemente o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública publicaram o Atlas de Violência 2019. Amplamente divulgado pela imprensa nacional, o documento resulta de uma pesquisa contínua e relevante para entendimento e criação de mecanismos sociais de enfrentamento e erradicação da violência. Nos últimos anos no Brasil muitos organismos sociais têm se dedicado especialmente ao levantamento e análise desses informações, resultado em trabalhos conhecidos como o Mapa da Violência e alguns dossiês sobre a temática.

Os dados obtidos através do Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde mostram, a partir das estatísticas, um aumento, em 2017, de crescimento da letalidade. As estatísticas são importantes porque nos fazem ver mais objetividade o que fica desfocado pela reprodução repetitiva de informações sobre homicídios que se tornaram uma mercadoria que vende bem na atualidade, e nutre uma cultura do medo, do enclausuramento, na abdução pelas tecnologias, do abandono do espaço público nas cidades e do pânico em relação ao Outro.

O Atlas apresenta aspectos relevantes para compreensão de um fenômeno tão complexo como é a violência e suas raízes históricas. Nisso problematiza como a criminalidade violenta também constitui um problema econômico no País. Outra dimensão relevante da análise dos dados se refere aos jovens, porque desde 1985, o Brasil perde a cada ano, um número alarmante de rapazes e moças, lembrando também do que representa o feminicídio na sociedade brasileira. Em 2017, 35.783 jovens foram assassinados no Brasil. Conforme o Atlas da Violência, “os homicídios foram a causa de 51,8% dos óbitos de jovens de 15 a 19 anos; de 49,4% para pessoas de 20 a 24; e de 38,6% das mortes de jovens de 25 a 29 anos”. Esses números atestam aumento da violência letal de homens jovens, negros em sua maioria. E a equipe de analistas sugere no documento a necessidade urgente de políticas públicas para a juventude no Brasil.

Em relação aos crimes contra mulheres, a desigualdade racial é também ressaltada diante da proporção de mulheres negras vítimas de crimes letais. Pelo Atlas da Violência elas representam 66% das mulheres assassinadas no Brasil em 2017. No Brasil, que ocupa o quinto lugar no ranking do feminicídio no mundo, 28% das mortes de mulheres ocorrem dentro de casa. A violência simbólica é um fator extremamente importante quando a questão é violência contra mulheres e feminicídio, que são duas coisas que se relacionam, mas que são diferentes.

Lembramos que o compartilhamento não consensual de imagens íntimas é um crime que vem crescendo, e atinge em sua maioria mulheres. Se não representa a morte física delas, pode significar morte simbólica, e causar muitos danos à imagem pública e a vida das mulheres de qualquer faixa etária, etnia e classe social.

É preciso refletir sobre esse tipo de violação, visto infelizmente por alguns como “brincadeira”, “susto”, e atuar no sentido de garantir educação e segurança na usabilidade da internet, além de justiça no caso desse tipo de violação. Especialistas em segurança na internet afirmam que o sexting, como é conhecido esse tipo de violação, e o pornô de vingança (o ato de ameaçar vazar fotos íntimas na internet) contribuem para o crescimento de problemas psicológicos como a depressão entre as mulheres.

Quando diante da publicização das violências observamos e lemos os comentários postados nas páginas de jornais e portais de notícias, ficamos num estado de perplexidade com a agressividade lançada indiscriminadamente. As notícias sobre violência estão se tornando quase insuportáveis, seja pela infame repetição, sua densidade e dimensão trágica, seja por expressarem em determinadas circunstâncias violação de direitos. Sentimos ser urgente e necessária a construção cotidiana de uma cultura de paz e de uma comunicação não-violenta e o investimento do País na superação de suas desigualdades sociais.

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