A Mulher do Pau Brasil em João Pessoa

Foto de Divulgação

Conheci A Mulher do Pau Brasil na adolescência, pelas mãos de um querido amigo que não está mais nesse Planeta. Ele fã da Marisa Monte. Mas curtia muito a artista loira de olhos expressivos, vinda de Porto Alegre. Assim fui apresentada a Enguiço, que só pude ter acesso ao cd físico anos depois de me profissionalizar jornalista. Curtíamos as músicas do trabalho de estreia pela generosidade do Ivontônio Gomes Viana. E também porque por causa de Naquela Estação, as rádios começavam a circular o trabalho dela. Uma das coisas, além da voz e da letra de suas músicas, num primeiro momento, me chamou muito a atenção o uso das cores, o trabalho visual expresso nos projetos gráficos de seus discos. Isso me levava a pensar, que essa moça tinha um pé nas artes visuais.

Na época tinha apenas 15 anos de idade, e reparava nas letras das músicas como uma publicação, um livro que lia pelos ouvidos. Depois conheci Senhas, e me senti totalmente envolvida por Esquadros, porque me lembrava muito de quanto um de meus irmãos era uma referência muito forte em minha vida, porque eu de fato “prestava muito a atenção no que meu irmão ouve”.

Além do que eu a letra de Senhas, formidável, e sentia muita identidade com essas palavras, com minha personalidade, mais um trabalho que dialogava muito com quem eu era, com as coisas que acreditava, que emocionava, e me fazia cantar horrores, e causava muita digressão e nutria minha alma.

A Mulher do Pau Brasil nutria com suas canções minhas mobilidades físicas, emocionais, e porque não dizer, existenciais. Não estudo filosofia, mas olhe, vejo um pé das canções dessa moça nesse campo. Como também, e sem sobra de dúvidas, uma interdiscursividade enorme com a literatura. E me trouxe uma alegria enorme quando vi numa livraria, Pra que serve uma canção como essas?, publicado pelo Eucanaã Ferraz, com as letras das músicas dela. Só que antes disso havia visto Saga Lusa, da própria artista, que de forma sincera narra experiências dolorosas vividas durante a turnê Maré, em solo lusitano.

Fui assim crescendo, amadurecendo, e acompanhando as mobilidades dela também, e seus trânsitos por diferentes linguagens. Fábrica de Poema para mim é um dos discos mais belos e singulares realizados em solo brasileiro. Tudo nele é incrível, é denso, cheio de ternura, humor, provocações. Chega através dele o Antônio Cícero, o Ismail Xavier, Gertrude Stein, Wally Salomão, Péricles Cavalcanti, e outros artistas de valor inestimável que começava a fazer parte do cotidiano, que também nos colocava a necessidade de saber mais sobre suas obras artísticas.

Assim foi acontecendo nossa antropofagia diária pelo curso da música produzida por ela. E não importava quando a televisão divulgava seu trabalho por meio dos temas das telenovelas, saturando os ouvidos, era só pular por um tempo a faixa. E a saga continuava.

E a minha vida seguiu no curso de suas músicas presente também na textualidade musical de Maritmo, Cantada, Público, Maré, Olhos de Onda, Adriana Partimpim 1 e 2, Loucura, Micróbio do Samba, e mais recentemente A Mulher do Pau Brasil e nas traduções de suas músicas por outros intérpretes, como no recente trabalho Nada ficou no lugar, que é surpreendente.

Um dos desafios de minha carreira de jornalista foi entrevistar Adriana Calcanhotto, na ocasião do lançamento de Público, no teatro municipal Severino Cabral, em Campina Grande. Dilemas simplesmente sobre o fato de misturar a garota fã, da profissional. Pura leseira, tudo que compreendi de seu trabalho ao longo da trajetória de ouvinte foi fundamental para chegar aquele feliz momento. Guardo a foto com carinho, como a matéria publicada no Jornal da Paraíba na ocasião. Não pude à noite ver o show, mas para mim a singularidade daquele momento é algo que guardo com ternura.

A artista foi acessível, e nosso diálogo significou para nós e os leitores que puderam ter acesso às reflexões daquele momento.

Quanto ao presente, me anima que, passados muitos anos daquele período em 1989, eu ainda siga pensando sobre suas músicas, tendo o prazer de sua sonoridade e de poder acompanhar sua trajetória pelo mundo das notícias. Além do fato de compartilhar com as pessoas mais íntimas, como meu filho, seu legado.

A Mulher do Pau Brasil eu queria dizer que será sempre bem-vinda, também acolhida sua voz que diz de forma honesta e pertinente sobre a Vida, o ato de viver, a poesia e desafios que carrega. Que gosto de seu humor tímido, de seu olhar discreto, que admiro seus silêncios. Queria também registrar que em tempos de vacas magras tive que abrir mão de algo “necessário”, para poder comprar um de seus discos, e de que não me arrependi em nenhum momento. Ao contrário, me orgulho bastante desta escolha.

Espero hoje reencontrar Adriana Calcanhotto com alegria no espetáculo A Mulher do Pau Brasil que não diz apenas de sua trajetória, mas de uma questão ainda latente na sociedade brasileira, cravada em 1922, porque na verdade a Semana de Arte Moderna nos fez pensar, entre outras coisas, que “Não sabemos o que queremos, mas SABEMOS O QUE NÃO QUEREMOS” (Oswald de Andrade).

Esse texto é dedicado à memória linda de Ivontônio Gomes Viana, que partiu tão cedo e que nos deixou tanto.

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